quinta-feira, 11 de julho de 2013

Um salão imaginário

As escolhas que fazemos na vida, muitas vezes, podem nos deixar confusas e angustiadas, mas, ao mesmo tempo, podem nos forçar a encontrar um equilíbrio . 

Minha experiência no decorrer desses anos, trabalhando como profissional da beleza, permitiu-me vivenciar situações bem diferentes e, ao mesmo tempo, paradoxais:  há mulheres que vão ao salão por extrema necessidade de " consumir a estética". É o consumismo pelo consumismo. Há as que são moderadas, que sabem da importância do " cuidado de si", mas não fazem disso o sentido da sua existência. E há as que precisam apenas se sentirem bonitas! 

Percebo que, nos dias atuais, as atrações para o consumo da beleza são inúmeras e bastante " tentadoras". São cheias de promessas - e promessas muitas vezes mentirosas! 

As mulheres que mais se enganam são as extremamente consumistas: fazem disto sua filosofia de vida e colocam toda a sua essência e força em coisas superficiais. Aparecer, mostrar o que tem (e o que aparentemente possui) são as únicas coisas que importam para essas mulheres. E para desculpar-se consigo mesmas diante de tamanha futilidade, fazem caridade ou dizimam na igreja.

É complicado pensar que sou uma profissional da beleza, que trabalho diretamente com a necessidade de consumo das pessoas para que se sintam bonitas, felizes e perfeitas, como se somente isso fosse proporcionar o bem estar e  a felicidade. Sinto-me, por vezes, como uma " vendedora de felicidade", mas, em contra-partida, é como se, metaforicamente, eu estivesse proporcionando a essas mulheres uma " droga" - que traz um benefício imediato, mas não deixa de ser um vício. E sou eu, a profissional da beleza, a " grande traficante da estética!  

Paradoxalmente, permito que minhas clientes se tornem fiéis a mim e, assim, garantam o meu sustento e os meus luxos... 
Mas, eu me pergunto: até que ponto o ser humano é verdadeiro o bastante para admitir que deseja consumir! Muitos não têm esta coragem, e vão para um outro extremo: não consomem nada e se gabam da felicidade por serem simples e abrirem mão de qualquer atrativo oferecido pela estética. Sentem-se demasiadamente vaidosas porque não são consumistas.

Sei que muitas mulheres perdem o sentido de viver, por razões diferentes, mas são problemas da alma: passaram por decepções amorosas, desistiram de emagrecer, de ficarem (ou de se acharem) bonitas.. enfrentaram problemas financeiros ou profissionais e diante de tanta calamidade, desistem, inclusive, se se sentirem bonitas!

Quero voltar para o Brasil e abrir o meu salão de embelezamento. Se vai dar certo? Ah.. eu não sei. O que sei é que desejo ser a profissional que não só embeleza o corpo, mas também a alma! Quero que minhas clientes entrem no salão e desejem voltar... Não para consumir mais, mas para se apropriar dos benefícios de se " sentir" bonita. E como isto acontecerá? Colocando o sentido da vida nas coisas certas... Nós, seres humanos, somos bonitos. Apreciamos a beleza e não há nada de mal nisto. O cabelo é uma matéria muito interessante: se renova, pode ser mudado, colorado, cortado... E a pele?? Ah... a pele! Com um pouco de água e sabão está pronta para uma nova pintura...

Não somos de muitos pelos ou penas, mas fazemos nossos próprios adornos. Somos seres criativos, que de uma forma ou de outra, gostamos da arte e procuramos a estética!

É muito interessante acompanhar o sorriso de uma pessoa que há tempos se sentia feia e desiludida e teve "seu momento" de se descobrir diante  de um espelho com coisas simples por nem mesmo conhecer sua beleza.

 A beleza começa de dentro para fora, e é  assim que um profissional da área  deve levar o seu trabalho: ajudando a cliente a se conhecer e a se amar!  

O  conceito de "salão de beleza" precisa ser mudado: não deve ser frequentado somente em ocasiões "especiais". Ao contrário, precisa ser o espaço para o  auto conhecimento. Não é neste momento do salão que a maioria das mulheres se veem?  O que não pode acontecer é fazer dele um vício e o único meio para se sentirem bem e bonitas. 

Meu salão ainda é imaginário, mas ele já começa a existir dentro de mim. E farei o possível para que ele se torne real! 

Você vem???

Márcia Portes Fernandes

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013





Infância: o poço do ser

Para Gaston Bachelard, toda infância é, naturalmente fabulosa. Mas não são com as fábulas fósseis, com os fósseis de fábulas que os avós contam que vive a imaginação da criança: é nas suas próprias fábulas, “é no seu próprio devaneio que a criança encontra as suas fábulas, fábulas que ela não conta a ninguém.” [1] Então, se a fábula é a própria vida, que diferença faz se uma história inventada por uma criança é um acontecimento ou  pura imaginação? Tanto uma quanto a outra evocam o mesmo sentido: a própria vida.
Contudo, a fábula tem uma linguagem própria, e para redescobrir a linguagem das fábulas, segundo Bachelard, “ é necessário participar do existencialismo do fabuloso, tornar-se corpo e alma de um ser admirativo, substituir diante do mundo a percepção pela admiração. Admirar para receber os valores daquilo que se percebe.” [2]
É nessa perspectiva bachelardiana que busquei compreender o “existencialismo do fabuloso”. Se crianças são seres fabulosos porque criam suas próprias histórias, que linguagem poderia decifrá-las e interpretá-las? Que valor as crianças agregam a cada história contada ou inventada? Para o escritor francês, apreender a essência, compreender as linguagens, “acolher na sua atualidade pessoal a poesia dos devaneios de infância é muito diferente dos exames objetivos, tão úteis dos psicólogos da criança”. Mas ainda que se deixe falar livremente a criança, mesmo observando-a sem censura, ainda que se exercite a escuta com terna paciência de um psicanalista, não se atinge necessariamente a pureza simples do exame fenomenológico. É preciso ir além... abrir mão de métodos comparativos, tornar a criança incomparável, assim como a mãe vê o seu próprio filho![3]
Todavia, para Bachelard, somos demasiado instruídos para permitir um olhar menos objetivo e desobrigado de qualquer método comparativo. Nós, adultos, empanturramos as crianças de sociabilidade, (...) preparamo-la para sua vida de homem no ideal dos homens estabilizados; instruímo-la também na história de sua família e, tragicamente, empurramos no espremedor essa infância-massa para que a criança siga direitinho o caminho dos outros. [4]  
Em nossa objetividade, por meio de métodos científicos e racionais, tentamos explicar os fenômenos que acometem a  infância em suas complexas e profundas nuances. Pretensão demasiada de intelectuais e acadêmicos que acreditam chegar à compreensão do que se passa na subjetividade humana, quanto mais na subjetividade da infância!
 “Crianças, nos são mostradas tantas coisas que perdemos o senso profundo de ver!”[5]. Essa é a advertência de Bachelard , a qual revela um caminho a compreender: a infância é o poço do ser. Poço, lugar de mistérios, de escuridão, de segredos incontidos, de águas longínquas... Lugar-poço de onde não se espera nada, mas que pode fazer brotar a água que refresca a vida e acalma o ser.
Para conseguir compreender a linguagem das crianças é preciso mergulhar no mais profundo do nosso ser, conforme Bachelard, para que, a partir deste olhar-infância me seja possível exercitar o senso profundo de ver. Ver com outras lentes o invisível, o incontido, o que facilmente não se revela. Ver o mundo em suas cores primeiras, o mundo ilustrado, com suas cores verdadeiras. Ver sem os olhos do adulto míope que escolheu não enxergar.
  Se é verdade, então, que “uma criança coexiste conosco numa zona de vizinhança ou num bloco de devir, numa linha de desterritorialização que nos arrasta a ambos – contrariamente à criança que fomos, da qual nos lembramos ou fantasmamos, a criança molar da qual o adulto é o futuro”, é nesse devir-criança, marcado pela singularidade do encontro entre as temporalidades da infância e da vida adulta que pretendo estar.   
Devaneando sobre a minha infância lembro-me do lugar onde morava: minha casa era a única da rua, cercada por oficinas e bordeis. Todas as noites vislumbrava o movimento dos homens com suas prostitutas, as bebedeiras, a presença intensa da polícia a vigiar e a controlar os que se exaltavam ou se envolviam em alguma briga. Eram muitas as prostitutas que tinham filhos, muitos dos quais não conheciam o pai ou tinham o pai na prisão.
 Minha mãe nunca me impediu de com eles brincar. Ao contrário, dizia que o meu amor deveria  salvá-los de seus destinos e de seus equívocos. Vez ou outra ela levava uma criança pra dentro de casa, dava banho, comida, às vezes o deixava dormir. Os gestos amorosos de meu pai e de minha mãe são devaneios profundos e indeléveis que jamais irão se apagar.  Encontrando-me com a criança que outrora fui, recordo-me da compreensão que tinha do distanciamento entre a minha infância e a desses meninos. Indignação! Este era o sentimento que me movia ao perceber a dureza da vida daquelas crianças que sonhavam com um destino melhor. Lembro-me de adentrar naqueles bordeis sujos, iluminados por uma penumbra vermelha que dava sentido àquela ambiência de promiscuidade, mas que, paralelamente abrigava um universo infantil, escondido da vigilância policial e daqueles que poderiam denunciar.      
Todavia, ainda que compreendendo tamanho distanciamento entre as infâncias, estes meninos eram, para mim, apesar dos estigmas que insistiam em marcá-los - pobres, desamparados, filhos de prostitutas com presidiários - simplesmente crianças! Ouço novamente a advertência de Bachelard: “ Ai de quem não pode se lembrar de sua infância, reabsorvê-la em si mesmo, como um corpo no seu próprio corpo, um sangue novo no sangue velho: está morto desde que ela o deixou.” [6]
Viver novamente a criança que fui, cultivar a criança que habita em mim é condição sine qua non para ousar entender as crianças que passaram por mim, seja em que temporalidade for. Nesse sentido, a criança que coexiste em mim, bem como os devaneios da minha própria infância constituir-se-á em uma nova forma de ver o profundo e o velado que revestem essas infâncias roubadas, com as quais tive o privilégio e, ambiguamente, a agonia, de conviver.
E é por esta razão que Jesus, compreendendo tão profundamente o ser criança, disse aos seus discípulos que perguntaram quem seria o maior no Reino dos Céus:
Jesus, chamando uma criança, colocou-a no meio deles, e disse: " Eu asseguro que, a não ser que vocês se convertam e tornem como crianças, jamais entrarão no Reino Dos Céus. Portanto, quem se fizer humilde como esta criança, este é o maior no Reino dos Céus. Quem recebe uma destas crianças em meu nome, está me recebendo" (Palavras de Jesus, em Mateus 18)
Que sejamos crianças.....

Vanessa

  



[1] BACHELARD, Gaston. Os devaneios voltados para a infância. In: A poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p.113.
[2] Ibid.
[3] BACHELARD, Gaston. Os devaneios voltados para a infância. In: A poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p.101-102.
[4] Ibid
[5] Ibid, p.122.
[6] BACHELARD, Gaston. Os devaneios voltados para a infância. In: A poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p.130. 

sábado, 9 de junho de 2012

Em Vergonha


Fim de tarde. Um dia diferente para aqueles meninos e meninas, de pés cansados, pés descalços, pés trincados pela poeira  vermelha, do chão batido, do caminho entre a casa e a escola... 

Para esses pés, mãos amigas...

Mãos que se doam...

Mãos que lavam...

Mãos que calçam...

Mãos solidárias...

Abandonar o chinelinho gasto para calçar um tênis confortável, doado por corações generosos, traz alegria, anima o coração, aquece a alma dos  pequeninos.... mas sobretudo daqueles que se dispõem a servir em amor...

Mãos que abraçam a vergonha e a culpa...

Nos campos de concentração de Auschwitz, aqueles que conseguem sobreviver à tragédia, provam de uma inexplicável vergonha... Uma vergonha, nutrida pelo sentimento de culpa. Culpa? Vergonha? Por que haveria de se envergonhar aqueles que sobreviveram? A quem compete julgá-los?

O embaraço do sobrevivente é a impossibilidade de superar a vergonha...

Vergonha e culpa por assistir a destruição dos outros, sentindo, contra qualquer julgamento, que deveria ter intervido, sentindo-se culpa por não tê-lo feito e, acima de tudo, “sentindo-se culpado por ter frequentemente ficado feliz por não ter sido ele a morrer, uma vez que não se tinha o direito de esperar ser o único poupado” (B. Bttelheim)

Vivo, portanto, sou culpado... Uma aporia a que Wiesel compendiou, acrescentando logo depois: “Estou aqui porque um amigo, um companheiro, um desconhecido morreu em meu lugar”...

Primo Levi, sobrevivente dos campos de concentração, em um poema no qual tenta fugir da culpa que  o persegue, assim escreve: “ Você não defraudou ninguém, não espancou (mas teria força para tanto?), não aceitou encargos (mas não lhe ofereceram...), não roubou o pão de ninguém; no entanto, é impossível evitar. É só uma suposição ou, antes, a sombra de uma suspeita: a de que cada qual seja o Caim do seu irmão e cada um de nós (mas desta vez digo “nós”num sentido muito amplo, ou melhor, universal, tenha defraudado seu próximo, vivendo em lugar dele?

Calçar os pés desses pequeninos, desses meninos e meninas que vivem emcampos de concentração a céu aberto - expressão de Edson Passeti para descrever os lugares de desolação onde prevalece a miséria extrema e o abandono do Poder Público – faz-nos companheiros de vergonha e constrangimento daqueles que sobreviveram à tragédia do Holocausto. 
Vergonha por saber que depois do tênis limpinho, farão o caminho de volta entre a escola e a casa, entre poeiras e esgotos fétidos e, em poucos dias, voltarão de pés descalços...

Vergonha por saber que este gesto ainda é imensamente menor do que a necessidade...

Vergonha por saber das privações que passam e agradecer: “Senhor, obrigada porque não sou eu”...

Oh, Deus, que essa vergonha nos anime à culpa necessária para continuarmos a nos constranger com o Seu Amor... incomparavelmente maior...

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Perdão...



Perdão por ter chegado quando não podia e ter saído quando não queria.
Perdão por silenciar quando deveria falar, e por não calar quando o silêncio deveria ser meu guia...
Perdão por não pedir quando podia ganhar, e por implorar quando tinha que aquietar...
Perdão por dançar quando havia luto, e por chorar quando a alegria era o convite do dia...
Perdão por mascarar quando a alma deveria estar “lavada”, e por me lavar frente ao que deveria eu me deixar contaminar...

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Como compreender a eternidade?


Estamos, de fato, preparados para compreendermos a eternidade?

C. S.Lewis, em uma de suas meditações encontradas no livro " Um ano com C.S. Lewis" intitulada O Céu voltará para trás nos dá uma dica de como poderemos ter uma ideia dela se entendermos que tanto o bem quanto o mal, quando plenamente desenvolvidos, se tornam retrospectivos.(C.S.Lewis). Isso significa que, para os justos, os abençoados, os que crêem, o Céu, uma vez alcançado, terá efeito retroativo sobre cada evento histórico de nossa existência... inclusive sobre os sofrimentos, "tornando em glória até mesmo essa agonia." (C.S.Lewis)

Da mesma forma, a condenação também terá efeito retroativo sobre o passado, contaminando todo o prazer trazido pelo pecado..."

Assim, nosso passado, nosso presente, nosso futuro, em Deus, sendo um só tempo, se fundem, permitindo que nossos pecados perdoados e sofrimentos lembrados passem a assumir o gostinho do Céu... E para o homem mau (o ímpio, o que não creu, o que não se entregou), "seu passado apenas se conforma à sua maldade e se enche de miséria".. (C.S.Lewis)

Assim, o céu e o inferno serão vistos, também lá, com os olhos com os quais a vida foi vista daqui...

As calamidades, os sofrimentos, as agonias,os desprazeres podem ser pedacinhos do Céu , assim como o gozo, a satisfação, o prazer podem ser parte do seu Inferno...

O convite da Graça de nosso Deus em Jesus Cristo é um convite singular: a consciência da nossa relação com o próprio tempo, permitindo-nos vislumbrar toda a nossa existência ou como um Céu ou como um Inferno... A diferença estará na perspectiva de quem os vê.

É por isso que no fim de tudo, quando o sol nascer aqui e o crepúsculo lá embaixo se transformar em trevas, os Abençoados dirão: Jamais vivemos em outro lugar que não fosse o Céu. E os Perdidos dirão: Sempre estivemos no Inferno. E ambos estarão dizendo a Verdade” (- de The Great Divorce (O grande abismo, de C.S. Lewis)

domingo, 26 de abril de 2009

A memória e as narrativas bíblicas


Cada vez mais me convenço de que as Escrituras são um valioso registro de memórias...

Memórias inspiradas, reveladas, canonizadas, algumas convenientemente apagadas, modificadas, aumentadas ou a elas incorporando-lhes elementos estranhos...

Uma verdade gasta, conhecida não só pelos psicólogos, mas também por qualquer um que tenha prestado atenção ao comportamento de quem o rodeia, ou a seu próprio comportamento, é a de que a memória humana é um instrumento maravilhoso, mas falaz. Primo Levi escreveu que “quase nunca sucede que duas testemunhas oculares do mesmo fato o descrevam do mesmo modo e com as mesmas palavras, ainda que o fato seja recente e nenhum dos dois tenha interesse em deformá-lo.

Esta escassa confiabilidade de nossas recordações só será explicada, segundo Primo Levi, de modo satisfatório, quando soubermos em qual linguagem, em qual alfabeto elas são escritas, sobre qual material, com qual instrumento: ainda hoje, é uma meta de que estamos longe, segundo o autor.

E ele continua: “conhecem-se alguns mecanismos que falsificam a memória em condições particulares: os traumas, a interferência de outras recordações concorrentes, estados anormais da consciência, repressões, recalques... É certo que o exercício da evocação freqüente mantém a recordação fresca e viva, assim como se mantém eficiente um músculo exercitado muitas vezes; mas é também verdade que uma recordação evocada com excessiva freqüência, e expressa em forma narrativa, tende a fixar-se num estereótipo, numa forma aprovada pela experiência, cristalizada, aperfeiçoada, ataviada, que se instala no lugar da recordação não trabalhada e cresce à sua custa”...

Embora Primo Levi, judeu, químico por profissão, sobrevivente do Holocausto - termo utilizado especificamente para se referir ao extermínio de milhões de pessoas que faziam parte de grupos considerados indesejados pelo regime nazista de Adolf Hitler, refira-se `a volatividade de uma memória específica, ou seja, a vivenciada nos campos de concentração de Auschwitz, tomo-lhe respeitosamente algumas de suas palavras sobre a memória para concordar, junto a ele, que “quanto mais se afastam os eventos, mais se completa e aperfeiçoa a construção da verdade da conveniência”.

E ele acrescenta:

“A propósito dessas reconstruções do passado (mas não só dessas: é uma observação que vale para todas as memórias), deve-se observar que a distorção dos fatos muitas vezes é limitada pela objetividade dos próprios fatos, em torno dos quais existem testemunhos de terceiros, documentos, “corpos de delito”, contextos historicamente definidos. É geralmente difícil negar que se tenha cometido uma dada ação, ou que tal ação tenha ocorrido; ao contrário, é facílimo alterar as motivações que nos induzem a uma ação, assim como paixões que em nós acompanharam a ação mesma. Esta é a matéria extremamente sujeita a deformar-se sob forças até muito débeis; não existem respostas confiáveis, porque os estados de ânimo são voláteis por natureza, e ainda mais volátil é sua memória”(Os afogados e os sobreviventes, p.25)

As palavras de Primo Levi me fazem pensar no campo de abertura que se dá em torno das interpretações das memórias “sagradas”... teólogos, historiadores, arqueólogos, antropólogos, psicólogos, filósofos, físicos, educadores... todos amparados por uma hermenêutica específica que lhe dê conta de penetrar nos recônditos de uma memória "viva", porque também se tornou registro – refiro-me especificamente às narrativas bíblicas- , e tentar explicar o que, por vezes, é inexplicável, incompreensível, absoluto, resumido, poético, a-histórico, a-temporal, ilógico, irracional , devaneio e até mesmo loucura...

Como crer nas Escrituras? Como confiar-lhe credibilidade, autenticidade? Como não considerar os inúmeros “acidentes” de uma tradução a outra? É possível confiar em seus autores e, mais ainda, nas “paixões” que acompanharam as suas ações, digo, os seus registros memorialísticos?

Perguntas sem respostas... a não ser se esta escassa confiabilidade à memória registrada nas Escrituras for explicada, de modo satisfatório, se soubermos em qual linguagem, em qual alfabeto elas são escritas, sobre qual material, com qual instrumento... Meta esta que ainda hoje, parafraseando inversamente Primo Levi, pode ser alcançada, se entendermos os limites humanos da hermenêutica, da fenomenologia, da exegese, da historiografia, das fórmulas, das leis físicas e, num “num salto de fé”, mergulharmos no Absoluto Absurdo da Revelação que achou aconchego na consciência humana.

Vanessa

sábado, 28 de fevereiro de 2009

A Água da Vida


Uma mulher
Com sede de amor
Ouviu dos lábios livres do Senhor
Que a sede que a fazia buscar
Mas sem encontrar...

Era a sede de Deus...
E que em todos os caminhos teus
Jamais se satisfaria
Pois só em Jesus encontraria
A fonte da água da vida...

Água espiritual...
Que mitiga a sede existencial...
Água em manancial...

Manancial de água viva,
Que cura ferida,
Que a sede sacia,
Que dá alegria,
Que limpa a alma,
Que purifica a existência...
Que dá sentido verdadeiro,
Que nos inunda, nos preenche ...
Isso sim, é providência.!

Providência de Deus,
Fonte da Vida...
Água da Verdade e da realidade...
Água de contentamento e desprendimento...

E a mulher?
A mulher, em satisfação e perplexidade
Crê em Jesus...
Crê em algo genuíno e diferente...
Crê em contentamento e felicidade...

E foi correndo sem mais pranto...
Deixou o seu cântaro, deixou seu passado.
Passado marcado
Por ignorância e transgressão.

Mas agora seu coração, sua vida, sua lida
Seria para satisfazer
A vontade Daquele que sua sede saciou,
Que a sua alma aquietou...

E esse milagre da percepção
Que inundou seu ser de alegria
A faz agora sair e a contar em tamanha confraria,

Que sua história agora mudaria assim...
O Cântaro Existencial agora ela teria
Para não mais ter fim...