domingo, 23 de novembro de 2008

O valor mítico das Escrituras...



" A visão científica aperfeiçoa a compreensão mas pode,
imperceptivelmente, subtraí-la ao homem. Uma vez separadas e purificadas do denominador comum mítico, a astrologia tornou-se a astronomia e a alquimia, química. O conhecimento delas se acelerou, mas, juntamente com o mito, o saber tornou inconsciente o aglutinante psicológico. A astrologia era um aglomerado de astronomia ingênua com psicologia; a alquimia, de química ingênua com psicologia.
Expulsando o homem real - aquele que não é só bioquímico-, as ciências individuais progridem vertiginosamente como saber específico, mas a soma dos conhecimentos que delas deriva pode revelar-se frágil porque foi perdido o critério unificador, o cógico humanista completo. Suas explicações se distanciam cada vez mais das narrações, porque a narrativa que 'convence' (do latim, convincere, conquistar, atrair, trazer para si) pressupõe um fundo mítico que lhe dê som profundo: a simples exposição dos fatos escorrega dentro de nós de maneira inerte e se fraciona em todas as direções, como fluxo de água que não encontra leito no qual correr ou sons que não encontram caixa de ressonância" (Luigi Zoja, História da Arrogância)

Apropriando-me dos dizeres de Zoja ao criticar a sociedade da técnica, que substituiu a narrativa pela informação, o mito pela ciência, evoco a simplicidade da linguagem bíblica e o seu valor poético, metafórico e, sobretudo, narrativo... pois nesse cenário da técnica, a Teologia "cientificizou" Deus...

A Revelação Divina deu lugar à Bibliologia...

O Verbo Vivo foi substituído pela Cristologia...

Ao invés do Consolador, essência de Deus em nós, prevalece a Pneumatologia...

A mensagem de esperança agora se chama Escatologia...

Fazer das Escrituras a Palavra de Deus ser viva em nós é ressignificar, cotidianamente, o já conhecido...

Nos dizeres de Zoja:

" Perceber um fundo mítico significa perceber a narrativa como já conhecida, embora sem saber nem onde nem quando: qualidade que evoca os traços significativos ao proscênio da memória e faz a criança pedir que lhe narrem de novo o já conhecido, a fim de reconhecer suas emoções e consolidar sua identidade. Tudo o que é adequadamente narrado se torna interiormente verdadeiro (...), pois "a verdade que é demonstrada pela via racional, embora adquirida de modo indiscutível no plano consciente mas sem obter ressonância interior, não oferece orientações para um sentir ancorado na personalidade, não leva a alma para casa, e é irrelevante na luta contra a angústia e para a restituição do sentido da existência" (Luigi Zoja. História da Arrogância).

E ainda:
" Se a ciência não narra mais, mas apenas informa (nos forma, nos constrói sem nos fazer participar), ela é estranha à sabedoria porque não mais produz saber e sim informações (construções)" (idem)...

A narrativa bíblica, todavia, não pode ser moldada nos formatos científicos ou técnicos...

Ela é viva...

Produz vida...

Encanta o ser...

Eleva a alma...

Alimenta o espírito...

E sua excelência está no fato de ser o próprio Deus Encarnado o Grande Narrador...
E é Ele quem restitui em nós o "sentido da existência"...

Que Deus nos livre do homem tecnológico, que substituiu o mito pela ciência, a narração pela técnica, e nos faça co-participantes de toda trama existencial por meio da Palavra Viva - narração do próprio Deus a nós.

Vanessa

O que me basta?



Historicamente, o Brasil é um país fortemente marcado pelas desigualdades sociais. Um conjunto de razões ligadas à sua formação histórica faz com que a sociedade brasileira continue caracterizada pelas disparidades sociais e pela pobreza que, ao se combinarem, alimentam o crescimento inexorável da violência urbana transformada em principal flagelo das grandes cidades.


Violência esta que cresce a cada dia, fruto também de um mundo globalizado que exclui milhões de pessoas do acesso a bens de consumo, do lazer, da educação, etc.

A flexibilização e adaptação constantes ao mundo do trabalho, a instabilidade, os empregos incertos que surgem e desaparecem de acordo com as regras do jogo que transcendem as características particulares de uma localidade, geram e intensificam a exclusão social.


Exclusão esta que produz seres humanos “supérfluos”, excedentes, redundantes do ponto de vista da produção material e intelectual - uma conseqüência da globalização e do progresso econômico que, nos dizeres de Bauman, em Vidas Desperdiçadas, “se espalha pelos mais remotos recantos de nosso planeta “abarrotado”, esmagando em seu caminho todas as formas de vida remanescentes que se apresentem como alternativas à sociedade de consumo” (2005, p;76).

Neste espaço global, “regras são estabelecidas e abandonadas no curso da ação, e o mais forte, o mais habilidoso, o mais veloz, o que tem maiores recursos e o mais inescrupuloso é que as impõem e derrubam” (idem, p.83).

Essa estrutura de dominação econômica dos países ricos sobre os mais pobres, principalmente sobre países emergentes como o Brasil, desprovido de longa tradição democrática e de instituições capazes de amortecer os choques causados pela mutação do trabalho e do indivíduo, neste limiar de século, vai “arando” um terreno de incertezas, que gera medo, angústia e insegurança.


Neste cenário, as narrativas bíblicas tendem a ficar cada vez mais distantes do imaginário coletivo...


Jesus, em Mateus 6 disse:


"Não andeis ansiosos pela vossa vida, quanto ao que haveis de comer ou beber; nem pelo vosso corpo, quanto ao que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo mais do que o vestuário? Olhai para as aves do céu; não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros, e contudo, o vosso Pai celestial as alimenta. Não tendes vós muito mais valor do que elas?Qual de vós poderá, com as suas preocupações, acrescentar uma única hora ao curso da sua vida? Quanto ao vestuário, por que andais ansiosos? Observai como crescem os lírios do campo. Eles não trabalham nem fiam. Eu, porém, vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles.Se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, não vestirá muito mais a vós, homens de pequena fé?Portanto, não andeis ansiosos, dizendo: Que comeremos? Que beberemos? ou: Com que nos vestiremos? Pois os gentios procuram todas estas coisas. De certo vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas elas. Mas buscai primeiro o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas. Portanto, não andeis ansiosos pelo dia de amanhã, pois o amanhã se preocupará consigo mesmo. Basta a cada dia o seu próprio mal".



Um enorme desafio para a civilização do excesso, da superfluidade, da superficialidade, do refugo e de sua remoção... para os habitantes das sociedades contemporâneas, onde nada se destina a permanecer... onde "os objetos úteis e indispensáveis de hoje são, com pouquíssimas exceções, o refugo de amanhã" (Zygmund Bauman)...

Civilizações que se divinizaram e humanizaram o Divino...
Que trocam o significado do ser pelo ter...

Sociedades do consumo e da produção de refugos...



Sociedades com "um modo de vida que está moribundo - a cultura do individualismo competitivo, o qual, em sua decadência, levou a lógica do individualismo ao extremo de uma guerra de tudo contra tudo, à busca da felicidade em um beco sem saída de uma preocupação narcisita com o eu" (Christopher Lasch)



Que o grito de Luigi Zoja nos alcance: "Eu sou quase nada: como posso querer tudo"?

Assim como Paulo, posso dizer :"Senhor, a tua graça me basta"...



Vanessa