terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Brasil, olha pra cima!


Desde menina vislumbrava o movimento, as atividades, a magia que acontecia dentro das instituições educativas. Quando chegava em casa, depois de um dia exaustivo na escola, ainda encontrava entusiasmo para brincar de escolinha nos finais de tarde. Mamãe até pintou a parede da varanda de verde escolar. Passava horas a fio imitando gestos e atitudes de professores, quase todos muito autoritários – anos 80, tempo em que os resquícios da Ditadura Militar ainda assombravam o trabalho pedagógico na escola.


Agora, em pleno século XXI, atuo como pedagoga de escola pública, o que tem-me feito vislumbrar momentos significativos, apesar de todo o descaso governamental para com o ensino público. Momentos estes permeados de alegrias, frustrações, decepções, recompensas, cansaço, mas sem perder a luta e a confiança de que, por meio de ações singulares e, por vezes, solitárias, seria possível promover um trabalho pedagógico melhor.


Atuando no “chão da escola” lidando dia-a-dia com os problemas sociais, econômicos, psicológicos, culturais e morais de crianças e adolescentes, e com a difícil realidade dos professores (baixos salários, condições de trabalho nada ideais, desmotivação profissional), percebo cada vez mais o valor e a importância do pedagogo nas instituições educativas.


Descobri que o pedagogo tem outros caminhos a desbravar, outras estradas por trilhar, outra identidade a se conquistar. Reconheci que, além de mediar professores, professores e gestores, professores e alunos, este profissional também tem o papel de pensar a interdisciplinaridade enquanto processo de integração recíproca entre várias disciplinas e conhecimentos, o que requer de todos os profissionais da escola um esforço no rompimento de uma série de obstáculos ligados a uma racionalidade extremamente positivista da sociedade industrializada.


Ao pedagogo, exige-se esta postura mediadora, o qual não pode negar as especificidades e objetividades de cada campo do conhecimento, devendo ele detectar as áreas onde seja possível estabelecer as possíveis conexões do saber. Um grande desafio, permeado de paradoxos: ao mesmo tempo em que se exige do pedagogo uma visão ampliada frente ao paradigma pós-moderno, lhe falta condições materiais até para manusear um computador, pois os recursos financeiros destinados às escolas públicas são raros e quase sempre ínfimos.


Atuando nessas escolas periféricas pude perceber a necessidade de se existir profissionais com uma leitura de mundo mais crítica, mais reflexiva, mais humana frente a esse novo paradigma da modernidade, globalizado e excludente. Um paradigma que requer do pedagogo uma nova identidade, que não a de fiscalizar e cobrar posturas, nem o de cumprir “pacotes educacionais” encaixotados pelo neoliberalismo. Ao contrário, essas exigências perpassam por um perfil que alcance, transite e supere a modernidade junto à complexidade crescente, tanto das tarefas dos processos educacionais como das organizações responsáveis por eles – as escolas.


Por esta razão, penso que o pedagogo precisa entender que seu trabalho deve se ocupar dos processos educativos, dos métodos, das maneiras de ensinar mas, antes disso, precisa ter um significado bem mais amplo, bem mais globalizante. Seu trabalho deve estar inserido num campo de conhecimentos que esteja envolvido na problemática educativa na sua totalidade e historicidade e, ao mesmo tempo, numa diretriz orientadora da ação educativa.


Atualmente trabalho como Supervisora Pedagógica e Orientadora Educacional numa escola periférica – Escola Municipal Professora Irene Monteiro Jorge – situada nos grandes bolsões de miséria da cidade de Uberlândia, nas proximidades do Presídio Prof. Jacy de Assis e do Centro Socioeducativo de Uberlândia, recentemente inaugurado, antigo Cisau. Lido diariamente com crianças e adolescentes que vivenciam a criminalidade, a violência, o tráfico de drogas, muitas filhos e filhas de presidiários ou ex-presidiários.


Sei da presença cada vez mais forte do tráfico na periferia, e que a realidade atual do crime organizado que se instala em regiões carentes exige de nós uma reflexão para entendermos seu significado. Se tivermos como pressuposto filosófico que crime é o que vai contra a condição humana, a sociedade já comete crime contra uma parcela da população com a injustiça social, que impõe a pobreza à maioria das pessoas.


E, talvez por isso, essas comunidades carentes, já cansadas de não receberem a proteção do Estado para as suas necessidades básicas de sobrevivência, tenham apelado para o poder do tráfico, que são organizações criminosas que funcionam como defesa social e fazem coisas que o Estado não faz. E a mídia conservadora e sensacionalista trata essas questões como uma simples explosão do Mal contra a sociedade do Bem.


Conviver nesse “arraial” de miséria com crianças e adolescentes e, mais especificamente, com suas famílias, as quais, em número significativo, são pais, mães, filhos, irmãos de sujeitos presos no presídio Prof. Jacy de Assis, meu permitiu “ver de “fora”, a partir das famílias dos apenados e, sobretudo a partir do ambiente social do qual tais pessoas em geral são oriundas, um “currículo” que é tecido pela via da prisão.


Um currículo que perpassa pelos discursos de um “mais Estado-penitenciário”, que impõe a essas famílias rituais de vida, aprendizagens, adaptações, introjeções e assimilações produzidos por um novo contexto de vida, ao ter um ente aprisionado. Um currículo que não pode ser compreendido apenas por um viés “pedagógico”, principalmente depois de conhecer um pouco de suas angústias, seus sofrimentos, o preconceito social que enfrentam e as preocupações em momentos de rebeliões, motins e morte.


Conhecer essas famílias pelo viés da escola tem-me levado a crer que o maior crime é o crime oficial e fardado! De fato, temos o Estado desinteressado, a Policia bandida atrás das fardas, o sistema penitenciário corrompido e perverso, e a mídia hipócrita e moralista, embora, muitos dos que cubram tais matérias jamais deixem de cheirar seu pó ou fumar seu baseado. Isto sem falar que os pobres não têm recursos para manter o tráfico, razão pela qual a classe média é a grande consumidora, ao mesmo tempo e hipocritamente quer "cheirar sem que feda".


Dessa forma, os mecanismos de sujeição dos grupos sociais mais pobres ao discurso de uma penalidade neoliberal têm sido fortemente incorporados pela escola, mesmo que inconscientemente.


Nessa perspectiva, penso que o pedagogo que lida com capacitação docente deve, necessariamente, ampliar seus conhecimentos, as visões de mundo, conhecer os contextos políticos, históricos, sociais, culturais e econômicos da contemporaneidade, respaldando-se cientificamente quanto às questões educacionais sob o aporte teórico da História e da Historiografia, da Sociologia e da Filosofia, pois sem capacitação profissional, sem reflexão, sem autonomia, sem um olhar desconfiado e sem amorosidade pelo que fazemos, não podemos purificar nenhum trabalho pedagógico de seus equívocos.


Brasil, olha pra cima...

Existe uma chance de ser novamente feliz, feliz!

Brasil, há uma esperança

Volta teus olhos pra Deus, Justo Juiz.

João Alexandre