quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

A Educação e a ordem mercadológica



Não é preciso ser um pedagogo ou estudioso da educação para saber da importância que esta exerce na vida de uma família, de uma comunidade, de um povo.
O que não se sabe, por vezes, é que há menos de uma década a mercantilização dos serviços, antes, direitos educacionais, tem-se constituído de forma bastante acelerada. Basta ver a grande expansão da educação privada lato e scrictu sensu; a crescente privatização interna das instituições públicas; a estagnação do financiamento público; o surgimento de novos modelos empresariais provedores de serviços educacionais com fins lucrativos orientados pelo mercado; a submissão dos sistemas de ensino, inclusive os públicos, às políticas agendadas pelo Banco Mundial, FMI dentre outros, além da indústria dos dispositivos pedagógicos extra-escolares (softwares etc).

O debate em torno do público e do privado tem-se intensificado. Embora nunca tenha saído do cenário educacional, agora se sofistica , atribuindo ao estatal as mazelas de ineficiente, corrupto, cobrador de impostos, opressor e anti-democrático, enquanto que o privado é portador do bem, do belo, da virtude, da liberdade individual, da eficiência, do dinamismo, da democracia, da autonomia. Esqueceu-se que, em nosso país, especificamente, o Estado tem sido desqualificável porque se tornou privado. Um Estado que tem feito do campo educacional a mais nova fronteira de expansão do capital da dita Sociedade Informacional.

Em meio a esse cenário desencantador que reflete dualidades, ambigüidades e contradições, o que dizer das instituições de ensino confessionais e dos estabelecimentos de ensino com propostas pedagógicas orientadas por princípios bíblicos? Têm elas se adequado à lógica mercadológica ou atuado no campo dos direitos, da cidadania?

O que se percebe é que muitas instituições de ensino com roupagem de “confessional” despem-se quando o assunto é “lucro”. Faltam em suas propostas pedagógicas a visibilidade de projetos de extensão que atentam para a solidariedade, para a amorosidade, para o conhecimento sobre Deus e seus propósitos.

É preciso que tais instituições priorizem a educação não enquanto produto de venda ou troca, não enquanto chave mágica para a superação de classe. Ao contrário, seu valor e importância devem ser ressaltados pela condição de consciência (política, moral, ética, filosófica e espiritual) que pode proporcionar a todos os que a ela tiverem acesso – consciência esta indispensável para que haja mudanças profundas na estrutura social moderna e excludente que temos ainda vivenciado.
Cabe aos coordenadores pedagógicos e líderes cristãos inseridos nestes estabelecimentos confessionais de ensino – seja pelo viés dos centros acadêmicos ou de escolas de educação básica – reverem seus conceitos, seus valores, suas metas e propósitos frente ao que esperam dessa educação para não se tornarem escravos e alienados no seu próprio ambiente de trabalho.

Libertar-se e desalienar-se implica em conscientizar-se do valor da educação cristã e lutar contra essa sociedade que transforma até o imaterial em moeda de troca.
Vanessa

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Um cenário sombrio da humanidade



No bojo das transformações geradas pelo capitalismo, ou mais precisamente pela globalização, os seres humanos estão sendo deixados do “lado de fora”, ou melhor, excluídos do mundo social.

A vida humana encontra-se num cenário sombrio.

Em Vidas desperdiçadas, Bauman classifica os seres humanos que não conseguiram permanecer no carro da modernidade e que não conseguem se inserir no processo de globalização, de “refugo humano”. A globalização é excludente, traiçoeira, eliminadora. Ela causa morte, fome, desemprego e caos para milhões de seres humanos, afirma Bauman.Produz dejetos, sujeiras e lixo humano que são jogados longe dos grandes centros urbanos e são colocados em grandes depósitos em terras inabitadas, sem qualquer tipo de organização, de política de reciclagem.

Nosso planeta está cheio, afirma Bauman, está cheio porque a modernização se globalizou chegando a terras longínquas, penetrando nos costumes, na organização do modo de vida de povos que não se interessavam pela corrida ao progresso.

Como o processo de produção de refugo humano é inquebrantável, ou seja, não pára um só instante, as áreas do globo estão cada vez mais lotadas, saturadas. Onde colocar o lixo, então? Essa questão é a que é mais debatida neste novo ensaio de Zygmunt Bauman sobre o processo de globalização e suas conseqüências.

A vida contemporânea é carregada de uma ideologia consumista que prega a individualização do individuo e, conseqüentemente, a negação do sentido humano de solidariedade. Neste caminho segue a produção de refugo humano e de lixo em maiores quantidades, haja vista que a sociedade de consumidores se sobrepôs à sociedade de produtores. Quem não consome torna-se refugo humano e o que é consumido transforma-se em lixo, dejeto ou sujeira.

A globalização mudou a trajetória de vida desta geração, acabou com sonhos e projetos, criou dicotomias, rompeu com tradições e acelerou suas vidas. A globalizante modernidade líquida deixou pra trás a sociedade de produtores por uma sociedade de consumidores onde o que impera é a produção de refugos e de lixo. Ela fez com que os projetos humanos causassem a desordem e o caos no “admirável mundo líquido”.

Até mesmo a internet, potente ferramenta da modernidade, é mais um deposito de refugo de informação. O ciberespaço concentra milhões de informações descartáveis e inúteis. Por outro lado, os sites contabilizam números recorde de informações sobre refugo (lixo). Digitando no buscador google a palavra refugo (lixo) encontraremos 11.500.000 sites referente ao tema. Este fato reforça a idéia de que o lixo está se tornando um dos problemas mais angustiante de nossos dias. E quantos têm usado essa ferramenta somente para se lambuzar de "lixo"?

O refugo humano (as pessoas) está excluído de tudo, a lei não o contempla, os governos não se responsabilizam por eles. Vivemos no caos e na ordem. Os humilhados e excluídos do sistema correspondem à maioria dos seres humanos existente na terra.

A mídia incita os cidadãos e o próprio governo à xenofobia. Nasce, dessa maneira, uma genealogia do medo baseada no receio ao terror e ao estranho (imigrantes, refugiados e asilados).
Os estranhos (imigrantes, refugiados e asilados) têm como função receber toda a descarga de raiva e as ansiedades dos indivíduos, sobretudo por representarem um perigo para a segurança dos cidadãos. Daí, eles se tornam alvos fáceis de tema de campanhas xenófobas, tanto pelos governos como pela população.

Os imigrantes e os asilados são considerados o refugo da globalização, lixo humano que vaga em busca de um lugar na sociedade do progresso. Mas, o outro lixo, aquele tradicional que é produzido por “nós” também não existe mais lugar onde depositá-lo, guardá-lo. Os consumidores estão produzindo toneladas de lixo, alias, sem contar com o novo tipo de lixo produzido pela modernidade líquida: o lixo industrial, eletrônico. Estes têm vida longa, demoram milhares de anos para se decompor, poluem e estão destruindo nosso planeta.

Globalizaram o medo, globalizaram o crime, os governos preferem prender imigrante a acabar com o crime organizado a acabar com as máfias organizadas e poderosas.
O mundo globalizado prega por uma política de exclusão, de retirada de refugo. Cada país cuida de seu “lixo”, de sua população redundante retirando-a do convívio com os outros indivíduos úteis. A população redundante é a parte inútil, imprestável, que deve ser retirada de circulação, jogada em campos de refugiados. Para que isso aconteça, os países ignoram as leis internacionais, perpetram limpeza étnica e genocídios.

O Estado de tolerância zero é acionado, os guetos são isolados, os bairros periféricos são vigiados dia e noite. Há uma produção de um Estado de emergência baseado no medo do “outro” (o estrangeiro, o pobre, o negro, o ex-presidiário). Tudo isso ocorre porque o mundo líquido destituiu o Estado de seus programas sociais, de seu dever para com sua população. O Estado social transformou-se em um Estado de guarnição, no qual o que impera é a proteção dos interesses das corporações globais e das transnacionais.

A cultura do lixo predominante da era líquida representa os novos modos de viver no mundo. O consumir soa ressonante nos ouvidos dos indivíduos de maneira a tornarem escravos dos cartões de créditos, do luxo e da beleza/estética. Sem falar que o consumismo cria a difícil batalha para permanecer dentro do mercado de trabalho, paradoxalmente cria-se a cultura do não emprego permanente, do fim dos compromissos com o “emprego para sempre”.

Os relacionamentos tão pouco exigem compromisso, fidelidade. Namorar não requer mais todo um ritual de conquista, de galanteio e de sedução. Agora, namora-se à distância, temos diversos tipos de relacionamento, você escolhe: relacionamento de bolso, relacionamento à longa distância, relacionamento cool, encontro veloz e outros.

Mudamos nossos comportamentos, porque a sociedade está em constante transformação. Nossos ideais transformaram-se em sonhos, por vivermos num mundo de permanente incerteza, onde tudo que agora é novo daqui há alguns minutos torna-se velho, lixo.

Estamos na era da insegurança, na qual o medo predomina mais precisamente nos grandes centros urbanos. Na modernidade líquida os indivíduos não se olham tête-à-tête, preferem a tecnologia do telefone celular para se comunicar, pois é mais seguro não sair de casa. Preferem os reality show da televisão, como o Big Brother, é mais emocionante do que ir ao parque, ao cinema.

Em suma, o que tal globalização vem proporcionando ao mundo é: o aumento da produção de lixo (refugo humano, lixo tradicional e industrial), o aumento da população mundial e o aumento das desigualdades continentais; a separação entre os rico s e os pobres, os europeus e os não-europeus, os países subdesenvolvidos (sul) e os desenvolvidos (norte).

Que possamos, a partir dessas reflexões, trazer à tona os ensinamentos de Cristo, conforme nos exorta Paulo:

“não andeis como também andam os gentios, na vaidade dos seus próprios pensamentos, obscurecidos de entendimento, alheios à vida de Deus por causa da ignorância em que vivem, pela dureza do seu coração, os quais, tendo-se tornado insensíveis, se entregaram à dissolução para, com avidez, cometerem toda sorte de impureza.
Mas não foi assim que aprendestes a Cristo, se é que, de fato, o tendes ouvido e nele fostes instruídos, segundo é a verdade em Jesus". (Ef. 4: 17-21)

Vanessa

Texto adaptado da resenha de Antônio Marcos de Sousa Silva sobre o livro Vidas Desperdiçadas, de Zygmunt Bauman