sábado, 22 de novembro de 2008

Ubuntu pra você!


Ao estudar um pouco sobre a história da África do Sul pós-apartheid, deparei-me com o filme Em minha Terra.

Em 1996, o Governo Sul Africano estabeleceu a Comissão da Verdade e Reconciliação (CVR) para investigar os abusos aos direitos humanos durante o Apartheid, sob o comando do Prêmio Nobel da Paz, Arcebispo Desmond Tutu.
A comissão era responsável por examinar os atos cometidos entre Março de 1960, a data do massacre de Sharpeville, e 10 de Maio de 1994, o dia do início de Nelson Mandela como Presidente.

Essa comissão foi uma estratégia não só política, mas e sobretudo humana, como forma de oportunizar a reconciliação entre brancos e negros por meio de confissões públicas.

Nesses encontros públicos, vítimas e algozes se enfrentavam cara-a-cara... O lema era desvelar o que, de fato, acontecera nos porões do Apartheid, tendo em vista que esse regime de segregação racial que “manchou” a história sul-africana por quase 45 anos não foi só uma violência física, mas uma violência do silêncio...

Por isso, combater essa violência era dar abertura à verdade. E a verdade vinha à tona como processo de abertura à reconciliação e ao perdão...

As pessoas que assumissem sua responsabilidade durante a audiência pública, teriam judicialmente a anistia dos seus crimes.

Nelson Mandela conseguiu assim conduzir o país em seu mandato presidencial por uma transição que poderia ter acabado em banho de sangue.

Para Mandela, o perdão era o único antídoto contra a vingança...

Vários são os autores que escreveram, ao longo da história, sobre o perdão...

Para Hannah Arendt o perdão é importante para dar continuidade à ação . O perdão é, essencialmente, recomeço...

Para Mandela, perdoar é esquecer...

Segundo Kant, para esquecer, é preciso lembrar, pois não há antagonismos entre lembrar e esquecer...

Ubuntu – que no dialeto xhosa quer dizer “todos somos interligados”, foi o grito de reconciliação entre os africanos. Significa “sou o que sou devido ao que todos nós somos”. Significa também que uma pessoa só é pessoa na relação com outra pessoa: o que você sente, nós sentimos, o que você sofre, nós sofremos...

Assim, essa pedagogia usada na África do Sul da Ubuntu – ou seja, do perdão e reunificação do país e das etnias em torno de uma só nação, fez com que os africanos percebessem que sair dos porões do apartheid e trazer à tona a verdade significava religar as pessoas por meio de confissões públicas, em que um “se enxergava” no outro por meio das atrocidades cometidas ou sofridas.

Feitas as confissões, parentes de mortos e sobreviventes deveriam seguir juntos para construir um futuro.
E fica-nos a lição:
perdoar é oferecer o recomeço...
Perdoar é se religar ao outro...
É trazer à tona a verdade...
É liberar o outro do cárcere existencial e psicológico que o colocamos...

É deixar o outro nascer de novo na nossa história, sem as memórias que fizeram dele uma desagradável lembrança...
É oferecer ao outro uma memória apagada, sem registros, sem mágoas e sem as marcas do ressentimento...

Padrão divino, não humano...
Para Jacques Derrida, perdão é “coisa dos deuses, não dos humanos”...

Mas o padrão divino está ao nosso alcance desde que assumamos nossa humanidade e reconheçamos que por nós mesmos não seremos capazes, pois “toda boa dádiva e todo dom perfeito são lá do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não pode existir variação ou sombra de mudança”... Tg 1:17
Não perdoar é encarcerar a ubuntu que nos liga uns aos outros...

Mas perdoar é se transformar na semelhança de Deus...
Jesus se fez reconciliação por nós para que, por meio dela, conseguíssemos alcançar a ubuntu.
Ubuntu: humanidade para todos...
Quando reconheçamos a nossa humanidade, e a humanidade que temos a partir dos outros estamos a um passo de nos abrirmos ao perdão...

Nele, que é fiel e justo para nos perdoar e nos purificar de toda e qualquer injustiça, fazendo-se reconciliação por nós e nos conduzindo à Ubuntu - nossa com Deus e com os homens...
Ubuntu pra você!
Vanessa

segunda-feira, 17 de novembro de 2008


GRATIDÃO E QUESTÃO!


----- Original Message -----
From: GRATIDÃO E QUESTÃO!
To: contato@caiofabio.com
Sent: Sunday, September 23, 2007 20:30
Subject: Minh'alma enche-se de gratidão por você

Querido pastor:

Hoje acordei às 4:00h da manhã pra fazer mamadeira para o meu caçula de quase dois anos. É a minha rotina de todo dia.
Lembro-me sempre da sua biografia, quando disse em seu livro “Confissões do Pastor” que você “sofria de uma fome insaciável e, enquanto não era atendido nos seus clamores por comida, não deixava ninguém em paz. E a gritaria começava muito cedo, as quatro da matina, quando desferia os primeiros berros, machucando os ouvidos de todos, até dos vizinhos... e você gritava: gagau, desesperado, até lhe trazerem a papa das quatro da manhã”.

Este é o meu Calebe, e espero que não só nisto ele venha a se parecer com você!

Mas o fato é que depois da mamada, não consegui mais dormir, porque há tempos queria ter-lhe escrito, mas o tempo nunca me sobra. Tive uma forte insônia e, então, vim para o computador.

Tenho 33 anos, 23 de convertida ao Senhor Jesus, há 21 lendo seus livros. Desde os meus doze anos já lia seus livros, embora nem sempre compreendendo a riqueza do vocabulário, muitas vezes distantes da minha pequena compreensão de mundo. Lembro-me de um irmão da igreja que um dia me chamou atenção, me reprovando, dizendo que não era pra eu ler Caio Fábio, mas a Bíblia, pois Deus não estava gostando nada disso. Fiquei com pena dele: ele com 35 e eu com os meus quase 14!

Mas o fato é que sempre me identifiquei com a veracidade das suas pregações, vividas com muito amor por você. Talvez porque eu também tenha sofrido alguns de seus dramas e enxergado bem cedo a hipocrisia do mundo evangélico e me enojado de muito do que vi.

Hoje faço parte de uma comunidade cristã que busca viver a autenticidade do evangelho de Jesus.

Sou supervisora pedagógica numa escola periférica de minha cidade, e tenho visto o sofrimento que a desigualdade social tem trazido aos empobrecidos, aos marginalizados, aos excluídos de nosso país. Convivo diariamente com crianças entre 6 e 13 anos: sujas, famintas, carentes de amor, e muitas filhas e filhos de presidiários ou ex-presidiários, traficantes, prostitutas. Deus tem me enchido de amor por esses pequeninos, e tem-me dado muita autoridade para estar ali, vivendo Cristo. Estar ali tem me despertado pra muitas coisas: para a necessidade do amor incondicional, para a importância de se repensar numa nova educação que derrube os muros que os separam e os excluem socialmente e adentre na vida de cada um.

Além disso, pretendo realizar uma pesquisa de doutorado sobre a educação penitenciária no Brasil. Seu livro “Confissões do Pastor” encheu-me de desejo para o tema, embora eu saiba que você não vivenciou Bangu I para nenhum fim científico. Quero estudar para compreender melhor o ambiente no qual Deus tem me usado profundamente e intensamente. Sei da presença cada vez mais forte do tráfico na periferia, e que a realidade atual do crime organizado que se instala em regiões carentes exige de nós uma reflexão para entendermos seu significado. Se tivermos como pressuposto filosófico que crime é o que vai contra a condição humana, a sociedade já comete crime contra uma parcela da população com a injustiça social, que impõe a pobreza à maioria das pessoas. E, talvez por isso, essas comunidades carentes, já cansadas de não receberem a proteção do Estado para as suas necessidades básicas de sobrevivência, tenham apelado para o poder do tráfico, que são organizações criminosas que funcionam como defesa social e fazem coisas que o Estado não faz.

Sei do poder da mídia conservadora e sensacionalista, que trata essas questões como uma simples explosão do Mal contra a sociedade do Bem. E você, em seu livro “Confissões do Pastor”, expõe claramente o poder midiático e os estragos que ele faz.

O Brasil está se organizando para implantar em todos os presídios e penitenciárias a escola prisional de ensino fundamental e médio. Aqui em minha cidade já são duas escolas prisionais, e tenho participado dos encontros entre agentes carcerários e profissionais da educação.

Sei que além de pastor, de um homem de Deus, você é um homem que vivenciou o poder político e o que existe por detrás dos gabinetes de nossos políticos. Gostaria que comentasse sobre a educação prisional em nosso país e que tipo de educação poderia alcançar esses presos, vivendo na corda bamba entre a punição (desejada pela sociedade) e a ressocialização (que nem ele às vezes acredita que possa vir a ter).

Sua opinião me trará sossego, pois o que você fez por esses empobrecidos e excluídos com a Fábrica da Esperança, sua ousadia pela amizade com presos de alta periculosidade, sua disposição em servir e enxergar o homem por detrás do crime cometido, faz de você a referência mais importante para qualquer estudo que eu venha a realizar.

Um grande beijo pra você, no amor Daquele que nos fez livres ao nos prendermos na Sua Infinita Graça,

Vanessa
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Resposta:


Querida Vanessa: Graça e Paz!


Também perdi o sono. Já são 5 da manhã aqui em Manaus, onde estou desde o dia 6 de agosto, quando vim para assistir a cirurgia de alto risco de meu pai, e para a qual ele foi como um cordeiro mudo e grato. Perguntado sobre qual era a vontade de Deus naquilo tudo, ele disse: “Não sei. Mas vou fazer a cirurgia para fazer a vontade de Deus; pois, esta é a vontade Dele para mim. Pode ser que seja para me levar. Seja como for eu irei”.

Não pude dormir hoje. A muleta e bengala dele são minhas heranças, as únicas que quero.

Olho para ambas, a muleta e a bengala, e choro de saudades. Elas eram tão parte dele que é como se um pedaço vivo dele estivesse aqui no quarto, comigo. Sinto o cheiro dele na muleta. E dói de saudade.

Quando eu era menino ela jogava a bengala para mim, que ficava deitado no chão esperando o arremesso, e, quando ele a jogava, eu a apanhava com os pés e ficava fazendo malabarismos. Fiquei bom naquilo. Chegávamos à casa dos parentes e amigos, e eu, ainda com seis anos, me deitava no chão como um cãozinho amestrado e esperava que ele me arremessasse a bengala.

Depois de manhã volto para casa, e faço isto com dores diversas, tanto pela saudade dele, como também em razão de minha mãezinha, que ficará aqui com minhas manas, bem assistida, embora eu saiba que minha presença como filho mais velho dê a ela seguranças que ela, agora, necessite muito.

Assim, sua carta é fruto de insônia, e a minha resposta também!

Minhas opiniões sobre o sistema prisional brasileiro não são nada ortodoxas. De fato, eu vi tudo durante anos; vendo de dentro; vendo a partir do Estado (Governo e sua máquina...) e da carceragem e da Policia; e, também, vendo de “fora”, a partir dos apenados e suas famílias; e, sobretudo, a partir do ambiente social do qual tais pessoas em geral são oriundas — e o que vi me desalentou.

Trata-se de uma luta inglória, definida por meu dileto amigo Nilo Batista (para mim a pessoa que mais estuda e entende do assunto no país) como um “trabalho de enxugar gelo”.

Na realidade o maior crime é o crime oficial e fardado!

O Estado não tem interesse em investir em nada que seja eficaz e ressocializante. Eu mesmo levei inúmeras propostas que foram tidas como “não agradáveis à mídia”. Sim! Porque de fato a mídia determina quem fica e quem sai da cadeia no caso de presos pobres e famosos. Eles fazem o sujeito ficar famoso, e, depois, pela própria fama, o mantém preso.

De fato, temos o Estado desinteressado, a Policia bandida atrás das fardas, o sistema penitenciário corrompido e perverso, e a mídia hipócrita e moralista, embora, muitos dos que cubram tais matérias jamais deixem de cheirar seu pó ou fumar seu baseado.

E mais: até alguns heróis da mídia mortos pelo tráfico o foram em razão de traições, pois, compravam drogas nas bocas que cobriam jornalisticamente de modo hipócrita.

Conheço governadores que não dormem sem um baseado e senadores e deputados que não passam sem cheirar uma carreira... A Policia então nem se fala: não só muitos deles usam o que apreendem, mas, não poucos, dirigem o tráfico de modo indireto.

Assim, toda essa guerra Americana contra o tráfico [é um guerra americana mesmo...] é burra, perversa e maligna; pois, de fato, cria um esquema de corrupção infinitamente maior do que o mal que o trafico em si mesmo causa.

É como matar barata com arma química. Mata a barata e tudo mais à volta. Assim é a guerra contra o tráfico.

Portanto, sou a favor, não por escolha, mas por não conseguir aceitar tamanha burrice como inteligência, que haja políticas diferentes em relação ao tema.

Aqui no site você encontrará muitas opiniões minhas sobre o tema [veja em Busca, e escreva as palavras relacionadas e você encontrará alguns textos meus sobre o assunto].

Em minha opinião dos males sempre se deve escolher o menor, quando não se pode escolher entre o que é bom e melhor. Infelizmente lamento informar que no Brasil nossas escolhas são todas entre o inferno e o purgatório.

Para mim se o Brasil desejasse fazer algo eficaz sobre a questão, deveria de vez romper com o modelo Americano, burro e inócuo, e adotar políticas do tipo europeu.

Veja se na Europa se tem o tipo de perfil de desgraça relacionada às drogas que se vê nos Estados Unidos e de lá sendo expandido para a desgraçada América Latina?

O fato é que essa repressão aramada e de guerra está transformando nossa terra num Iraque de política americana.

Pergunte aos governadores de eles crêem de fato que a repressão dará jeito nas coisas. Pergunte ao Lula. Sim! A qualquer deles. Mas faça-o em particular. Ora, o que você verá é que eles não crêem nos resultados. Sei por que me disseram, muitos deles, e mais de uma vez. Dói, todavia, ver que se uma câmera for ligada diante deles, todos mudam de idéia na hora [isto é: para consumo político e de imagem].

Mas, se é assim, então por que implementam a política do Enxuga Gelo? Ora, é que eles governam para a mídia e para a classe média desejosa e necessitada de gadarenizar o tráfico a fim de excluir-se das causas do problema.

Isto sem falar que os pobres não têm recursos para manter o tráfico, razão pela qual a classe média é a grande consumidora, ao mesmo tempo em hipocritamente quer cheirar sem que feda.

Eles são como aqueles que comem o veneno e depois culpam aqueles que conseguiram para eles.

Minha sugestão, portanto, é que você estude as políticas européias de combate às drogas, pois, é o modelo menos danoso que se tem acerca de tal enfretamento no planeta.

Quanto ao Brasil, sinceramente, como posso ter esperança para a guerra das ruas se não se consegue nem mesmo tirar do Senado um senador corrupto?

Num país que rouba e rouba como este; e que rouba nos mais altos escalões — que pobre coitado terá motivação para evitar o ganho “fácil” [ironia] das drogas se a droga da maldade dilapida os recursos que seriam investidos nas populações marginalizadas?

Até mesmo na Fábrica de Esperança nós tínhamos que abrigar filhos de traficantes ou aprisionados, integrando-os com nomes outros, pois, se a mídia soubesse que os filhos do Escadinha estudavam conosco, logo fariam um estardalhaço...

A coisa toda é mentirosa e hipócrita!

Creio, todavia, que em casos menores e em instituições de cidades menores, ainda é possível melhorar topicamente algumas coisas. Porém, no que tange às políticas de repressão, saiba: elas são feitas sem que se acredite na eficácia delas; nem pelos que as implementam como conceitos, e, menos ainda, pelos que as praticam como ações policiais.

E a coisa vai longe...

É tanta coisa que nem dá pra contar aqui e agora, mas basta dizer que não é de hoje que há juízes e desembargadores envolvidos no esquema. Eu mesmo, na década de 90, vi como isto acontecia. E vi que os próprios políticos contratam tiroteios em época de eleição, gastando milhões, a fim de que bandidos contratados façam um estardalhaço na cidade a fim de prejudicar seja qual for o governo em exercício.

Bangu I nasceu assim...

Pagaram o Gordo, o Escadinha e o Japonês para fugirem da Ilha Grande a fim de aterrorizar a população da Zona Sul com o famoso duelo de São Pedro, que é basicamente o seguinte: paga-se para que os bandidos passem o dia e a noite atirando para o alto a fim de incomodar e apavorar aqueles que ditam as opiniões; e, assim, a mídia barbariza o governo em exercício, fazendo com que um outro tenha assim a chance de praticar seu banditismo oficial.

O Escadinha não foi resgatado pelo Gordo num helicóptero que entrou no pátio do antigo presídio da Ilha Grande levando o “bandido”. Não! O Gordo me contou que o Escadinha já estava fora, na praia; e que ambos ainda tomaram um banho de mar antes do helicóptero partir... E o valor? Seis milhões de dólares pagos por um oficial da Policia, negro e conhecido, e que foi morto como queima de arquivo logo depois. Os envolvidos? Ah! Deus sabe! E eu gostaria de não ter sabido...

Então, numa traição, os mesmos que os contrataram construíram Bangu I e os puseram lá depois de ganha a batalha política.

É um nojo só!

Bem, amanhece e tenho que parar...

Mas saiba: foi um prazer receber a sua carta!

Em nome de Jesus desejo sobre você, seu esposo e seu Calebe todas as bênçãos da Graça!

Um carinhoso abraço!


Nele, que morreu entre os bandidos menos ofensivos, pois, os piores davam as ordens oficiais, e, entre tais..., ninguém se arrependeu, mas, ao lado Dele, como outro condenado, um enxergou,


Caio

24/09/07
Manaus
AM