O Brasil é um país fortemente atingido pelas desigualdades de condições e de oportunidades de vida. Um conjunto de razões ligadas à sua história e à sua posição subordinada na estrutura das relações econômicas internacionais faz com que a sociedade brasileira continue caracterizada pelas disparidades sociais e pela pobreza de massa que, ao se combinarem, alimentam o crescimento inexorável da violência urbana transformada em principal flagelo das grandes cidades. Violência esta que cresce a cada dia, fruto também de um mundo globalizado que exclui todos que não se ajustam à sua lógica, com dimensões não só econômicas e políticas, mas humanas.
A estrutura de dominação econômica dos países ricos sobre os mais pobres, principalmente sobre países como o Brasil, desprovido de tradição democrática e de instituições capazes de amortecer os choques causados pela mutação do trabalho e do indivíduo neste limiar de século, vai “arando” um terreno de incertezas, que gera medo e insegurança.
A flexibilização e adaptação constantes ao mundo do trabalho, a instabilidade, os empregos incertos que surgem e desaparecem de acordo com as regras do jogo que transcendem as características particulares de uma localidade, faz com que exista uma penalidade neoliberal sedutora e funesta. Uma penalidade que se fundamenta num Estado que responde à insegurança popular com aumento das penas, policiamento e construção de prisões.
Com efeito, há o crescimento do Estado Penal em detrimento do Estado Social, fato demonstrado em detalhes no livro As Prisões da Miséria, por Loïc Wacquant. Ou seja, uma penalidade que, segundo o autor, “apresenta um paradoxo: pretende remediar com um “mais Estado” policial e penitenciário o “menos Estado” econômico e social que é a própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva em todos os países, tanto do primeiro como do Segundo Mundo” (2001, p.7).
Este Estado-penitenciário reafirma a influência moral da sociedade sobre seus “maus pobres” e educa o subproletariado na disciplina do novo mercado de trabalho, que só é tão florescente porque encontra o interesse e a ausência das autoridades dos diversos países que, como o Brasil, importa temas e teses de segurança incubada nos EUA. Dessa forma, os dogmas da “nova religião penal” fabricada nos EUA para melhor “educar” as frações da classe trabalhadora refratárias à disciplina do trabalho assalariado precário e subremunerado resultam numa “nova penalogia”. Ou seja, o objetivo não é mais nem prevenir o crime nem tratar os delinqüentes visando o seu eventual retorno à sociedade uma vez sua pena cumprida, mas, segundo Loïc Wacquant,
“isolar grupos considerados perigosos e neutralizar seus membros mais disruptivos mediante uma série padronizada de comportamentos e uma gestão aleatória dos riscos, que se parecem mais com uma investigação operacional ou reciclagem de “detritos sociais” que com trabalho social” (2001, p.86).
Nesse sentido, a temática da penalidade neoliberal desempenha o papel político de criminalizar os pobres e todas as suas estratégias de sobrevivência, estigmatizando-os através da relação entre crime e pobreza, exposta diariamente como inimigo público em horários nobres.
Historicamente, o assentamento dessa realidade penal se deu a partir do século XX – uma época marcada pelo poder punitivo Estatal, onde a prisão, juntamente praticada com a tortura, foi uma “instituição total”, segregando a classe oprimida e trabalhadora. Com a pena pública, de prisão, o Estado roubou o lugar da vítima, se vingando de outra forma, sob o nome de justiça – justiça criminal.
A transição, entretanto, do Estado Providência para o Estado Penitência, sustentáculo da penalidade neoliberal, não diz respeito a todos os cidadãos. Ela se destina aos miseráveis, aos inúteis e aos subordinados à ordem econômica, àqueles que compõem o subproletariado das grandes cidades, às frações desqualificadas da classe operária, aos que recusam o trabalho mal remunerado e se voltam para a economia informal da rua, cujo carro-chefe é o tráfico de drogas.
Para estes, desenvolve-se um Estado penal para responder às desordens suscitadas pela desregulamentação da economia, pela dessocialização do trabalho assalariado e pela pauperização de amplos contingentes do proletariado urbano. Conseqüentemente, aumentam-se os meios, a amplitude e a intensidade da intervenção do aparelho policial e judiciário.
Assim, a penalização serve como uma técnica para a invisibilização dos problemas sociais que o Estado, enquanto alavanca burocrática da vontade coletiva, não pode ou não se preocupa mais em tratar de forma profunda.
A prisão, então, serve como “lata de lixo” judiciária em que são lançados os “dejetos humanos” da sociedade de mercado.
Num mundo como este, regido pela lógica de mercado, prisão vira depósito de pessoas não-consumidoras, e não apenas lugar de enclausuramento por algum crime ou delito cometido.
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